Case #54 - Aproximando Deus e o diabo.


Angelica era médica, apesar de ter mudado de profissão recentemente. Tinha um filho e desejava outro, mas também estava muito assustada com ter mais. Disse-me, à medida que fomos estabelecendo contacto, que estava preocupada com a forma como era vista aos meus olhos. Fui-lhe dizendo o que observava na realidade, para criar uma base para a relação... incluindo uma linda bracelete que ela usava, oferecida pelo marido. Tinha sido ginecologista, e como parte do seu trabalho, tinha realizado abortos. Nessa altura, não sentia nada ao fazê-lo, era apenas o seu trabalho. Mas na verdade, também não sentia realmente alegria quando ajudava a dar à luz um bebé - era igualmente apenas parte do seu trabalho. Anos mais tarde, tinha começado terapia e entrado em contacto com os seus sentimentos. Isso incluiu a dor de ter realizado esses abortos. Não se prendia com crenças ou ideologia - tinha a ver com o impacto emocional de mais de uma década de bebés abortados. Mais recentemente, tinha tido um aborto espontâneo, e viu-o como uma espécie de castigo. Relatou-me que sentia dor de cabeça, mas que o resto do corpo estava entorpecido. Foi muito intenso para ela falar disto, estava a chorar. Sugeri-lhe uma pausa. Quando há demasiados sentimentos para a pessoa integrar, interrompe-se o processo. Assim, aprofundar a terapia nem sempre é algo bom. A pausa permitiu-nos dar um passo atrás, e eu estabeleci um contacto relacional, contando-lhe de como a via nos meus olhos - sentia uma grande compaixão por ela, e não tinha julgamentos negativos. Ela tranquilizou-se um pouco. Perguntei-lhe o que sentia no seu ventre. Respondeu-me - negrume. Uma vez mais, a intensidade foi demasiado para ela. Estava a retirar-se. Pedi-lhe então que estabelecesse contacto visual - caso contrário ficaria num sistema fechado. Disse-lhe que a sua bracelete fazia-me pensar que haveria certamente mais cores nela - a bracelete tinha algumas contas negras, mas também alguns cristais, e uma linda forma rosada. Referi que o cor-de-rosa seria parecido à cor do seu útero - como médica ela sabia que isto era verdade. Ao fazer isto enraizei-a em algo mais sólido que a sua projecção ´negra´, e conduzia-a em direcção ao sentimento da vida e do sangue. Enquanto falávamos, ela cerrava os seus punhos. Fiz-lho notar - direcionamos a tomada de consciência para pontos chave da expressão da energia, ajudando a que possam emergir mais completamente. Disse-me sentir raiva, o que aconteceu diversas vezes durante a nosssa conversa. É aquilo que em Gestalt se chama ´figura emergente´, algo paralelo ao tema presente. Pode ser focado, ou exagerado. Contou-me que se sentia como se estivesse num local escuro, e queria escapar. A raiva é então uma indicação da energia dinâmica que ela precisava para criar alguma mudança. Mas sugerir apenas algo como bater em almofadas não é necessariamente aquilo que um cliente necessita. Indguei com quem estaria ela raivosa - consigo própria, respondeu-me. Perguntei-lhe o que diria a si mesma. Disse-me sentir-se como o diabo, e continuou dizendo a si própria quão má pessoa era, e como merecia não ter mais filhos. Uma vez mais, convidei-a a fazer uma pausa - eram temas muito dolorosos. Perguntei-lhe se tinha alguma crença espiritual. Respondeu-me que não. Salientei que se ela acreditava num diabo, deveria existir algures um deus. Eu andava em busca de algum tipo de redenção neste lugar infernal. Estava a destacar a natureza das polaridades - parte da orientação Gestalt com vista ao holismo. Ela concordou. Pedi-lhe então que selecionasse dois objectos, representando deus e o diabo. Agarrou-se ao diabo, mas depois colocou-o ao lado do símbolo de deus. Disse que o deus estava adormecido, e queria acordá-lo. Estava a bater no chão, mas o símbolo continuava a tombar. Ela queria que se mantivesse de pé por si próprio. Foi então que eu intervim como a ´força divina´ e coloquei-o numa posição erecta. Convidei-a a ser receptiva à figura de deus. Subitamente sentiu-se cansada. Sugeriu-lhe então que fizesse uma pequena sesta. À medida que se encostou a mim, sugeri-lhe que quando acordasse pudesse sentir a força vital a agitar-se no seu ventre. Descansou por uns minutos, e de seguida abriu os olhos. Estava de facto disponível para receber a benção de vida do símbolo de deus. Sentia calor no seu corpo, e uma sensação agradável no seu ventre. Colocou então o ´diabo´ atrás do ´deus´... um símbolo perfeito de integração. Reconheceu que na força diabólica havia um certo tipo de poder que ela podia usar. Em Gestalt tratamos sempre de dar corpo a coisas abstractas, que neste caso era a polaridade. Ela precisava do tipo adequado de apoio para poder então atingir o objectivo - integração.

 Posted by  Steve Vinay Gunther