Case #63 - O coxo falador


Murray tinha trabalhado como polícia durante 20 anos. Até que, na cena de um acidente, descobriu subitamente que tinha perdido a sua resiliência. Normalmente ele podia ultrapassar qualquer tipo de emoção que pudesse ocasionalmente sentir. Mas dessa vez foi diferente. Descobriu que não conseguia recuperar. Esteve de baixa por stress durante algum tempo, mas a verdade é que tinha realmente atingido o seu limite. Foi assim que se retirou do corpo policial, e abriu uma lojinha de esquina numa pequena aldeia. A sua vida corria bem, mas internamente continuava muito stressado, pelo que acudiu a mim em busca de ajuda. O que Murray tinha de particular era que falava a cem à hora. E de facto era muito divertido, contava imensas hstórias, e cada uma se colava à seguinte. Ele basicamente falava sem parar. Eu gostava de o ouvir, ele era de facto um bom contador de histórias. Mas era difícil eu introduzir-me na conversa e portanto não conseguia sentir o pulso a mergulhar abaixo da superfície com ele, e criar algum tipo de terapia mais sólida. Tal continuou durante algumas sessões, e de cada vez eu enfrentava o mesmo desafio. Contei-lhe o que experenciava, mas não causou qualquer diferença. Mas houve algo que eu notei. Murray caminhava com um coxear particular. Parecia que andar era um pouco doloroso para ele. E foi assim que no meio de uma das suas histórias, eu o interrompi. Disse, ´Noto uma polaridade interessante. Falas muito depressa, mas tens que andar devagar.´ Murray concordou, mas não pareceu ter grande significado para ele. Perguntei-lhe ´E que tal se falasses tão devagar quanto andas?` Isto era uma proposta nova, mas ainda assim não lhe fazia muito sentido. Propus-lhe então uma experiência - que andasse para trás e para a frente na sala, e que dissesse uma palavra por cada passo. Claro que quando fez isto, foi obrigado a falar devagar. De repente compreendeu aquilo a que eu lhe estava a chamar a atenção - o seu corpo estava a tentar desacelerá-lo, mas ele não estava atento à dica. Quando falou devagar, pôde ser capaz de começar a a sentir - aquilo que tanto falatório estava justamente a evitar. Uma vez que teve acesso aos seus sentimentos, o trabalho terapêutico pôde realmente começar... Em Gestalt, prestamos atenção aos ´phenomena´ (fenómenos) - neste caso, a velocidade do seu discurso (ao invés do conteúdo), e o seu coxear. Ao não saltar para nenhuma conclusão com respeito ao seu significado, permitimos que novas ´Gestalts´ (configurações) possam emergir e interligar-se. Neste caso, uma polaridade profunda. Andamos em busca de polaridades, pois frequentemente indicam cisões na personalidade, que são formas de evitar a tomada de consciência. Quando estas cisões entram no campo da consciência, podemos trabalhar com elas, e de uma forma natural, a pessoa mover-se-é em direção a uma maior integração - apesar de poderem precisar de uma pequena ajuda. A experiência Gestalt nasce destas observações, e é uma forma de explorar a tomada de consciência destas cisões, em vez de apenas falar delas, ou ´saber´ acerca delas. O tipo de conhecimento em que estamos interessados é um saber integrado, baseado num sentir corporal.

 Posted by  Steve Vinay Gunther