Case #66 - Saindo do círculo


Ping contou-me a respeito da família em que crescera. Os seus avós não se tinham interessado muito por ela ou pela irmã pois preferiam rapazes. Tão pouco se sentia amada pelos seus pais. A mãe cuidava dela, mas raramente havia demonstração de ternura da sua parte. O pai jamais a tinha abraçado. Contou-me um incidente ocorrido quando tinha 8 anos. A mãe estava a vesti-la; Ping tinha-lhe dito que queria um vestido colorido diferente. De algum modo acordou o pai, que na sua fúria pegou nela e a atirou pelas escadas abaixo. Ficou a sangrar da cara, mas tinha na mesma que ir à escola. A professora ficou preocupada, mas nada de mais aconteceu. Ela não queria voltar para casa, e escondeu-se numa cave até que alguém contou à sua mãe, e esta a veio buscar. A mãe chorou um pouco ao vê-la assim, mas o pai nunca expressou qualquer remorso. Chorava copiosamente ao contar a história, descrevendo quanta dor havia no seu coração. Fui gentil com ela, mas ela encontrava-se no seu mundo de dor, apenas dando por mim de um modo periférico. Fiz-lhe notar que eu era um homem. Que eu me preocupava, mas que isso devia ser uma situação confusa, porque tinha sido o seu pai que lhe causara a sua dor; ao mesmo tempo que lhe dava cuidado, eu também representava a autoridade mais velha que originalmente a magoara tanto. Ping concordou com a cabeça, derramando mais lágrimas. Falou de querer a sua independência, poder ser quem era, e tomar decisões respeitantes à sua própria vida. Disse-lhe que aprovava, e que lhe daria todo o apoio que pudesse. Contou-me acerca da maneira como a mãe a andava a pressionar para que se casasse, e a tratar de influenciar o seu trajecto profissional. Continuei a trazê-la de volta ao presente, ao meu apoio, ao facto de ser um homem a apoiá-la. Foquei constantemente a sua atenção na respiração, pois ela continuava a contê-la. Sem este movimento energético, não haveria hipótese de integração da nova experiência. Ping falou novamente de querer a sua autonomia, e querer ´sair do círculo´, que era como uma prisão, das expectativas da sua família. Convidei-a pois a uma experiência simples. Pusémo-nos de pé, imaginando um círculo em nosso redor. Dei-lhe a mão, relembrando-a do meu apoio à sua autonomia. Este tipo de apoio em particular necessita vir da parte do pai, e no caso dela estava ausente, bem como qualquer ternura. Assim, eu forneci-lhe ambos. Levou bastante tempo, mas eventualmente ela deu um passo para fora do círculo, e eu com ela. Segurei-lhe então em ambas as mãos e disse-lhe, ´Agora, podes decidir em que condições queres basear uma relação. Podes insistir em ser amada e valorizada por um homem´. Dei-lhe esta mensagem para reforçar o próximo passo possível - encontrar um tipo diferente de relação com um homem, que não fosse simplesmente uma repetição inconsciente do seu pai. Ela disse, ´Posso desejar algo assim, posso pedir algo assim´. Corrigi-lhe a linguagem, porque era de alguma forma uma linguagem desvantajosa e desamparada. Pedi-lhe que reformulasse de um modo que tivesse uns limites claros - o que ela requeria como mínimo, as suas fronteiras. Tal deu-lhe o apoio e orientação por parte de um homem em relação àquilo que podia esperar da minha parte. Ela foi profundamente tocada por este processo. Foi simples, mas sustentado pelo seu desejo; a ênfase em Gestalt é sempre na integração, em dar pequenos passos que sejam somaticamente incorporados na tomada de consciência e na experiência ao longo do processo.

 Posted by  Steve Vinay Gunther